O MitPenha, em Guimarães, foi o palco do Encontro APIGRAF 2022, o evento anual da Associação Portuguesa das Indústrias Gráficas e Transformadoras do Papel.
Houve temas como a reindustrialização e a energia, mas a escassez do papel ou a atratividade da indústria para as gerações mais jovens foram os que despoletaram mais intervenção por parte das empresas gráficas presentes.
Domingos Bragança, Presidente da Câmara Municipal de Guimarães, deu as boas-vindas aos empresários gráficos que se deslocaram ao “berço da nação” para o seu encontro anual, e mencionou as “excepcionais empresas quer na indústria gráfica quer de embalagem” da região, como a Sebastião & Martins, a José Neves ou a Costa & Guerreiro. Domingos Bragança disse: “Estas indústrias baseiam o seu desenvolvimento em áreas inovadoras, que são também decisivas para Guimarães”.
Paulo Vaz, Administrador Executivo da AEP, abordou o futuro das empresas no pós-pandemia e falou sobre a diminuição do PIB per capita em Portugal, desde 2019, levando a que Portugal esteja a ser ultrapassado por vários dos países emergentes a Leste. Um cenário de Estagflação com travagem da globalização, a intensificação das políticas protecionistas, as novas políticas que visam promover a economia circular num ambiente em que há um aumento “brutal” dos custos de matérias-primas, de escassez de matérias-primas, e com elevadas cargas administrativas e fiscais, que levam a novos desafios.
A reindustrialização e diversas críticas ao atual rumo político de Portugal chegaram pela voz de Luís Mira Amaral, Presidente do Conselho da Indústria Portuguesa da CIP. O palestrante referiu que a indústria gráfica está sujeita a “uma crise com várias dimensões”, lembrando ainda que “a atividade industrial continua a ser crucial para o desenvolvimento económico, inovação tecnológica e criação de empregos qualificados e bem pagos”. Mira Amaral diz que Portugal deveria almejar a produtividade total dos setores de produção e a competitividade externa da economia, realocar recursos para a produção de bens e serviços nos setores primários e secundários, e apostar em serviços com maior valor acrescentado. A profissionalização da gestão e o incentivo a uma cultura de cooperação, sublinhou, são essenciais.
Nuno Ribeiro da Silva, Presidente da Endesa, não pode estar presente. Contudo, numa mensagem de vídeo, explicou o atual cenário do mercado energético e o motivo pelo qual os custos foram elevados a níveis nunca vistos, sublinhando os desafios da transição energética. Avisa: “as empresas não podem ser passivas relativamente à energia. Devem ser ativas e olhar para a eficiência energética, aproveitando o sistema de apoios, para usar a energia de forma eficaz e eficiente. As empresas devem olhar para a autoprodução e autoconsumo nos telhados das fábricas, quer para a produção de calor ou de energia elétrica”. O executivo aconselhou também a contratualização em grupo para que as empresas obtenham poder negocial junto dos comercializadores.
O que se passa com o papel?
Nas primeiras intervenções do dia, a audiência do Encontro APIGRAF manteve-se atenta, porém pouco interventiva. Cenário esse que se alterou após a intervenção de João Felgueiras, General Manager for the African Continent da The Navigator Company, que explicou “o que de facto se passa com a escassez de papel, a nível mundial, e que descreveu como “uma revolução das circunstâncias”.
João Felgueiras explicou que já não é a procura a influenciar significativamente o preço do papel, consoante os momentos “mais ou menos exuberantes da economia”. O executivo do grupo Navigator refere que é o mercado a influenciar o preço do produto, devido a alterações nos custos de matérias-primas – o preço da pasta aumentou 79% entre 2019 e 2022, por exemplo -, de custos de produção, havendo ainda menor oferta disponível, devido aos encerramentos de fábricas e às conversões de máquinas de papel para a produção de gramagens para embalagem, por exemplo.
A carteira de encomendas, que normalmente estaria nos 30 dias, está atualmente nos 58 dias para a satisfação dos pedidos. Os stocks estão também em níveis “anormalmente baixos”, para satisfazer cerca de 23 dias do lado dos fornecedores e cerca de 6 dias do lado dos compradores. Algumas importações, que eram realizadas da Ásia ou do Brasil por exemplo, também foram interrompidas devido ao aumento exponencial dos custos logísticos. João Felgueiras explicou que não existe uma maior procura de papel, mas que a procura existente está concentrada num menor grupo de fornecedores.
Por seu lado, e para dar resposta à situação vigente, a The Navigator Company simplificou o mix de produto, para obter a máxima rentabilidade das suas máquinas. “Nós temos as mesmas máquinas que tínhamos e as mesmas 24 horas por dia para trabalhar com elas. A única maneira de aumentar a produção é conseguir que o output das máquinas seja superior ao que era antes. Por um lado, aumenta-se a gramagem média fugindo das gramagens mais baixas, que nos dão menos toneladas por hora. Por outro lado, simplifica-se o mix de produtos para que a máquina faça o maior tempo possível na produção do mesmo tipo de produto, de forma a evitar os tempos mortos e a conseguir satisfazer o máximo de pedidos que nos chegam.”
A The Navigator Company está a assegurar o fornecimento dos clientes históricos, nas mesmas quantidades que eram solicitadas no ano anterior e solicita que os seus clientes habituais entrem em contacto no caso de não estarem a conseguir aceder, através dos seus fornecedores habituais, ao papel Navigator que sempre adquiriram. Em reflexão, João Felgueiras diz: “Quem tem um negócio estabelecido, seja de distribuição ou de transformação, e precisa de um determinado nível de abastecimento para se manter a trabalhar, deve assegurar o abastecimento regular junto de fornecedores com quem estabelece vínculos. Quem está sempre à procura da melhor oportunidade de negócio, e hoje compra na Indonésia e amanhã no Brasil, por exemplo, pode conseguir preços baixos, mas quando acontece um problema não tem um fornecedor que se sinta responsável pelo cliente. O essencial do negócio deve ser assegurado por fornecedores estáveis e eventualmente poderá haver uma margem para aproveitar os bons negócios que possam surgir, não ameaçando a sustentabilidade da atividade”.
A situação não é passageira e sim uma nova realidade. Lopes de Castro, Presidente da APIGRAF, comentou: “Se há más notícias e nos dão as más notícias, só temos de agradecer. Honestamente preferimos assim. É preocupante, mas é preferível saber”.
Como atrair os jovens?
Jorge Lopes, Gestor do Projeto PYF Portugal, Teresa Borba, Diretora-geral da APIGRAF, e Paulo Dourado, Diretor de Comunicação da associação, apresentaram as diversas iniciativas levadas a cabo pela APIGRAF, algumas em conjunto com parceiros internacionais, para aferir a melhor forma de tornar a indústria mais apelativa para as novas gerações.
O objetivo é mostrar o potencial inovador e conseguir que a imagem do setor seja mais atrativa do que uma carreira apenas ligada ao design. Durante o Encontro APIGRAF foram revelados os resultados da iniciativa Postal de Boas Festas e da iniciativa Print Your Future. Além disso, foi distribuído um Manual de Boas Práticas para a Indústria Gráfica. A Apigraf está também a mapear as instituições de ensino com oferta para a indústria – cerca de 74 – e a participar em projetos escolares, como forma de criar uma proximidade com as gerações mais jovens.
Uma iniciativa que está no futuro próximo é o “Concurso Jovens Talentos Apigraf”, que vai implicar o desenvolvimento de uma peça gráfica, desde o seu design até à produção final de uma maquete. O concurso vai dirigir-se aos jovens finalistas de cursos técnico-profissionais e visa promover um contacto próximo com a realidade da atividade e com as empresas da indústria.
A associação vai angariar apoio junto das empresas que estejam dispostas a receber os participantes para a realização do seu projeto, que será depois avaliado por um júri. O prémio será um estágio remunerado de 12 meses numa das empresas que se disponha a receber os alunos e a contribuir para formar os recursos humanos do futuro. Lopes de Castro, presidente da associação, referiu: “As máquinas estão nas empresas, por isso o lógico é convidarmos as empresas a serem formadoras e a darem a qualificação prática no ambiente de trabalho”.
Ferramentas e apoio internacional
Beatrice Klose, Secretária-geral da INTERGRAF, a federação das associações europeias da indústria gráfica, e Graeme Richardson-Locke, FESPA Associations Manager and Technical Expert, acompanhado de Jessica Arruda, participaram no segundo dia do evento. Os palestrantes fizeram um balanço das atividades das respetivas instituições, divulgando algumas tendências e ferramentas como, por exemplo, eco calculadoras para uma atividade mais sustentável.
170 anos de movimento associativo
O Encontro APIGRAF foi pontuado com pausas de networking e com um Jantar de Gala, no MitPenha, com lugar à homenagem de empresas associadas, algumas centenárias. A associação atribuiu às empresas presentes o certificado de antiguidade de associado, num ano em que o movimento associativo nacional dos industriais gráficos comemora 170 anos.
A Direção Nacional da APIGRAF fez ainda uma homenagem a Domingos Dias da Silva, com 93 anos, Mestre Encadernador da Imprensa Portuguesa, que recebeu a distinção das mãos de Augusto Monteiro, fundador da Grafopel e companheiro de carreira.
A propósito de comemorações e eventos associados, a APIGRAF anunciou, para Outubro, a realização de um seminário e exposição, em colaboração com a Universidade Nova de Lisboa e com o Alto Patrocínio da Presidência da República. No evento será apresentado o primeiro de dois livros artísticos sobre a indústria, numa parceria com o Instituto de História Contemporânea da referida instituição de ensino.
No Encontro APIGRAF foi distribuída uma brochura com design de José Mendes e impressão e acabamento da M2 – Artes Gráficas, que demonstra a imagem comemorativa e recorre a diversas técnicas como o corte, o relevo ou a estampagem para exemplificar a riqueza da arte gráfica e do seu expoente criativo.